terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Na Memória ...


A minisérie da Globo "Queridos Amigos", escrita por uma colega de faculdade, Maria Adelaide Amaral, que acredito cursou a Cásper Líbero um ano antes de mim, fez-me recordar alguns episódios vividos à epoca.
Sem ser militante de qualquer facção, apenas a curiosidade e a adesão às idéias contrárias a uma ditadura militar, levaram-me a participar de passeatas e reuniões promovidas pelo Movimento Estudantil.
Como trabalhava em um banco no centro de São Paulo, assim como outros universitários, era fácil ficar sabendo o que iria acontecer. Além disso, uma colega de trabalho era estudante de História na USP e trazia todos os agitos que por lá circulavam. Assim, "sem querer querendo", marchamos em passeata em frente a Universidade de Direito do Largo São Francisco, gritando palavras de ordem e perturbando a ordem geral já caótica do fim de tarde em São Paulo. Nessa ocasião, ao passarmos próximo a uma senhora idosa que nos assistia - não me lembro como era o refrão repetido à exaustão - alguma coisa como mais pão, ela docemente me falou: "peçam leite também, está muito caro".
Até hoje lembro com ternura de sua doce ingenuidade.
Noutra ocasião caminhamos do centro da cidade, sob chuva - eu de salto alto e roupa de bancária - a um comício contra a ditadura na Estação do Brás. De lá, voltamos pela avenida, braços dados em corrente, até divisarmos o regimento de Cavalaria da Polícia Militar que vinha com cacetetes em punho de encontro aos agitadores.
Pernas pra que te quero... os estudantes espalharam-se pelas ruelas próximas. Eu e essa amiga entramos no primeiro ônibus que passou. Ironia. O veículo nos levou para as proximidades da rua Maria Antônia, na célebre ocupação pelos alunos da USP, onde encontramos outros conhecidos.
O episódio histórico de 1968 ficou conhecido como "Batalha da Maria Antônia" que, mais tarde, tornou-se ícone da luta contra a opressão e injustiças causadas pelo regime militar. Nele, os alunos da USP, apoiados por estudantes secundaristas e outras instituições, colocaram-se contra alunos do Mackenzie e membros do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), às vésperas do AI-5 (Ato Institucional número 5). Durante a revolta, um estudante secundarista (José Carlos Guimarães, 20) foi morto com um tiro na cabeça, três universitários foram baleados e dezenas de outros feridos.
Lembro-me que cheguei em casa mais de meia-noite, inteiramente molhada, mas vibrando ...Tinha estado onde ocorria a notícia.
Minha mãe, aliviada em me ver chegar, exclamou: "ainda bem que chegou. Estão batendo e prendendo os estudantes lá no centro".
Eu tranquilamente retruquei: "Eu vi, eu estava lá"!